terça-feira, 31 de dezembro de 2013

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

domingo, 29 de dezembro de 2013

sábado, 28 de dezembro de 2013

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Fernando Pessoa ( vida e obra)

Fernando Pessoa (1888-1935) foi poeta português.

Um dos mais importantes poetas da língua portuguesa. "Mensagem" foi um dos poucos livros de poesias publicado em vida. Fernando Pessoa ocupou diversas profissões, foi editor, astrólogo, publicitário, jornalista, empresário, crítico literário e crítico político.
Fernando Pessoa (1888-1935) nasceu em Lisboa, Portugal, no dia 13 de junho de 1888. Ficou órfão de pai aos 5 anos de idade. Seu padastro era o comandante João Miguel Rosa. Foi nomeado cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul. Acompanhou a família para a África e lá recebeu educação inglesa. Estudou em colégio de freiras e na Durban High School.
Em 1901 escreveu seus primeiros poemas em inglês. Em 1902 a família volta para Lisboa. Em 1903 Fernando volta sozinho para a África do Sul, onde submete-se a uma seleção para a Universidade do Cabo da Boa Esperança. Em 1905 de volta à Lisboa, matricula-se na Faculdade de Letras, onde cursou Filosofia. Em 1907 abandona o curso. Em 1912 estreou como crítico literário.
Fernando Pessoa foi vários poetas ao mesmo tempo. Tendo sido "plural" como se definiu, criou vários poetas, que conviviam nele. Cada um tem sua biografia e traços diferentes de personalidade. Os poetas não são pseudônimos e sim heterônimos, isto é indivíduos diferentes, cada qual com seu mundo próprio, representando o que angustiava ou encantava seu autor.
Criou entre outros heterônimos, Alberto Caeiro da Silva, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares. Caeiro é considerado naturalista e cético; Reis é um classicista, enquanto Campos tem um estilo associado ao do poeta norte-americano Walt Whitman.
Em 1915, liderou um grupo de intelectuais, entre eles Mário de Sá Carneiro e Almada Negreiros. Fundou a revista Orfeu, onde publicou poemas que escandalizaram a sociedade conservadora da época. Os poemas "Ode Triunfal" e "Opiário", escritos por Álvaro de Campos, causaram reações violentas contra a revista. Fernando Pessoa foi chamado de louco.
Fernando Pessoa mostrou muito pouco de seu trabalho em vida. Em 1934 candidatou-se com a obra "Mensagem", um dos poucos livros publicados em vida, ao prêmio de poesia do Secretariado Nacional de Informações de Lisboa. Ficou em segundo lugar.

Fernando António Nogueira Pessoa morreu em Lisboa, no dia 30 de novembro de 1935.

Poesias de Fernando Pessoa:
  • A barca
  • Aniversário
  • À Emissora Nacional
  • Amei-te e por te amar...
  • Antônio de Oliveira Salazar
  • Autopsicografia
  • Elegia na Sombra
  • Liberdade
  • Mar português
  • Mensagem

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Poemas de Fernando Pessoa ortónimo

Presságio
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…

Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca... 

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Os heterónimos

Fernando Pessoa ortónimo e heterónimos “Fernando Pessoa é uma das personalidades mais complexas e representativas da literatura europeia do século XX. É como ensaísta que primeiro se revela, ao publicar, em 1922, na revista A Águia uma série de artigos sobre “A Nova Poesia Portuguesa”. Afastando-se do grupo saudosista, (…) vai ser um dos introdutores do Modernismo em Portugal.

O ano de 1914 fica, na biografia interior do poeta, como um ano decisivo, pelo aparecimento dos heterónimos.

  •  Fernando Pessoa (ortónimo)
  • Alberto Caeiro (heterónimo)
  •  Ricardo Reis (heterónimo)
  • Álvaro de Campos (heterónimo) 

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

carta de fernando pessoa a adolfo casais monteiro




Carta de Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro sobre a Gênese dos Heterônimos 

(...)

Desde criança, tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se  sou eu que não existo. Nestas coisas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que me  conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura,  movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as coisas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem-me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar. Lembro, assim, o que me parece ter sido o meu primeiro heterónimo, ou antes, o meu primeiro conhecido inexistente – um certo Chavalier de Pas dos meus seis anos, por quem escrevia cartas dele a mim mesmo, e cuja figura, não inteiramente vaga, ainda conquista aquela parte da minha afeição que confina com a saudade. Lembro-me, com menos nitidez, de uma outra figura, cujo nome já não me ocorre mas que o tinha estrangeiro também, que era não sei quê, um rival do Chevalier de Pas… Coisas que acontecem a todas as crianças? Sem dúvida – ou talvez. Mas a tal ponto as vivi que as vivo ainda, pois que as relembro de tal modo que é mister um esforço para me fazer saber que não foram realidades. Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já em maioridade. Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou outro, a quem eu sou, ou a quem eu suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontaneamente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava, e cuja figura – cara, estatuto, traje e gesto – imediatamente eu via diante de mim. E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, ouço, sinto, vejo. Repito: ouço, sinto, vejo… E tenho saudades deles.  (Em eu começando a falar – e escrever à máquina é para mim falar -, custa-me a encontrar o travão. Basta de maçada para si, Casais Monteiro! Vou entrar na génese dos meus heterónimos literários, que é afinal, o que V. quer saber. Em todo o caso, o que vai dito acima dá-lhe a história da mãe que os deu à luz.)
 Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia irregularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)  Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente… Foi o regresso de Fernando Pessoa-Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sai própria inexistência como Alberto Caeiro. Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo individuo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.
 Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim, e parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.

 Quando foi da publicação de Orpheu, foi preciso, à última hora, arranjar qualquer coisa para completar o número de páginas. Sugeri então ao Sá-Carneiro que eu fizesse um poema «antigo» do Álvaro de Campos – um poema de como o Álvaro de Campos seria antes de ter conhecido Caeiro e ter caído sob a sua influência. E assim fiz o Opiário, em que tentei dar todas as tendências latentes do Álvaro de Campos, conforme haviam de ser depois reveladas, mas sem haver ainda qualquer traço de contacto com o seu mestre Caeiro. Foi, dos poemas que tenho escrito, o que me deu mais que fazer, pelo duplo poder de despersonalização que tive de desenvolver. Mas, enfim, creio que não saiu mau, e que dá o Álvaro em botão.. (...)

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Poema "chove" de Fernando Pessoa, analisado

Chove. É dia de Natal. A
Lá para o Norte é melhor. B
Há a neve que faz mal, A
E o frio que é ainda pior. B

E toda a gente é contente C
Porque é dia de o ficar. D
Chove no Natal presente. C
Antes isso que nevar. D

Pois apesar de ser esse E
O Natal da convenção. F
Quando o corpo me arrefece E
Tenho frio e Natal não. F

Deixo sentir a quem quadra G
E o Natal de quem o fez, H
Pois se escrevo ainda outra quadra G
Fico Gelado dos pés. H

Fernando Pessoa

(25-12-1930)

Analise

O poema “Chove” de Fernando Pessoa, apesar de pertencer
Cronologicamente ao Modernismo português, cujo ideal é quebrar regras com a tradição formal, apresenta-se com forma fixa de quatros estrofes, cada uma contendo quatro versos (quadras- características da poética de Fernando Pessoao uso de quadras como predominância), divididos em sete sílabas poéticas  (redondilho maior). Além disso, possui rimas alternadas (ABAB- CDCD- EFEF- GHGH) e há a predominância de rimas ricas.

Fonte: http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/453889

domingo, 22 de dezembro de 2013

Fernando Pessoa, Poema Não Sei Quantas Almas Tenho, analisado


Não Sei Quantas Almas Tenho

Não sei quantas almas tenho.                    Atento ao que eu sou e vejo.               Por isso, alheio, vou lendo
Cada momento mudei.                                 Torno-me eles e não eu.                        Como páginas, meu ser.
Continuamente me estranho.                   Cada meu sonho ou desejo                   O que segue prevendo,      
Nunca me vi nem achei.                               É do que nasce e não meu.                    O que passou a esquecer. 
De tanto ser, só tenho alma.                     Sou minha própria paisagem,               Noto à margem do que li           
Quem tem alma não tem calma.             Assisto à minha passagem,                    O que julguei que senti.  Quem vê é só o que vê,                             Diverso, móbil e só,                                   Releio e digo: "Fui eu"?
Quem sente não é quem é,                      Não sei sentir-me onde estou.             Deus sabe, porque o escreveu.


Fernando Pessoa 


Análise Formal:

Não sei quantas almas tenho. A
 Cada momento mudei. b - 3 oitavas
Continuamente me estranho. A
Nunca me vi nem achei. b - Métrica regular (6 sílabas)
 De tanto ser, só tenho alma. C
Quem tem alma não tem calma. c - Rima cruzada/emparelhado
Quem vê é só o que vê, d e versos soltos
Quem sente não é quem é, f




sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Heterónimo, Alberto Caeiro





Foi um poeta ligado à natureza, que despreza e repreende qualquer tipo de pensamento filosófico, afirmando que pensar obstrui a visão ("pensar é estar doente dos olhos"). Proclama-se assim um anti-metafísico. Afirma que, ao pensar, entramos num mundo complexo e problemático onde tudo é incerto e obscuro. À superfície é fácil reconhecê-lo pela sua objetividade visual, que faz lembrar Cesário Verde, citado muitas vezes nos poemas de Caeiro por seu interesse pela natureza, pelo verso livre e pela linguagem simples e familiar. Apresenta-se como um simples "guardador de rebanhos" que só se importa em ver de forma objetiva e natural a realidade. É um poeta de completa simplicidade, e considera que a sensação é a única realidade.

Poemas e análises:


O Guardador de Rebanhos


Eu nunca guardei rebanhos, 
Mas é como se os guardasse. 
Minha alma é como um pastor, 
Conhece o vento e o sol 
E anda pela mão das Estações  
A seguir e a olhar. 
Toda a paz da Natureza sem gente  
Vem sentar-se a meu lado. 
Mas eu fico triste como um pôr de sol  
Para a nossa imaginação, 
Quando esfria no fundo da planície  
E se sente a noite entrada 
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego 
Porque é natural e justa 
E é o que deve estar na alma 
Quando já pensa que existe 
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos 
Para além da curva da estrada, 
Os meus pensamentos são contentes. 
Só tenho pena de saber que eles são contentes, 
Porque, se o não soubesse, 
Em vez de serem contentes e tristes,  
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva 

Quando o vento cresce e parece que chove mais. (...)

Analise:

Este poema no que diz respeito à identificação com a Natureza é dito pelo poeta Alberto Caeiro que o mesmo "conhece o vento e o sol" e que "anda pela mão das Estações", ou seja, ele afirma que anda ao ritmo das estações, comparando os seus estados de espírito com momentos de natureza. O poeta compara-se a um pastor que anda pelos campos a guardar rebanhos, em que neste caso, os seus rebanhos são os seus pensamentos.O poeta encontra-se num ambiente de paz, pois o mesmo diz que toda a paz da Natureza está ao seu lado (Toda a paz da Natureza sem gente ; Vem sentar-se a meu lado.) Todos os pensamentos do poeta são alegres, em que ele pensa apesar de não o querer fazer, o que acaba por ser um ato involuntário.Neste poema o poeta descreve o que vê e o que sente no preciso momento. O poeta dá mais importância ao ver e ao sentir do que ao pensar, dai ele preferir sentir a Natureza do que propriamente pensar. Quanto ao ver e ao observar, segundo o poeta, é para aproveitarmos a vida, pois ela existe para nós a vermos e não pensarmos sobre ela. Quanto à caracterização do poeta, ele é espontâneo e ingénuo, pois escreve o que vê sem pensar.



"Poema Segundo"


O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Analise:

No primeiro verso deste poema o sujeito poético apresenta uma comparação com um girassol. Esta comparação é feita para mostrar a nitidez do seu olhar, pois esta planta tem a particularidade de seguir continuamente a luz do sol. Para o poeta a sensação visual é-lhe suficiente na sua relação com o mundo, rejeitando pensamentos.
O sujeito poético neste poema afirma que basta sentir a realidade, não precisa de a questionar, não precisa de saber porque é que ela existe.
Alberto Caeiro é um poeta que consegue submeter o pensamento ao sentir, abolir o vicio de pensar e viver apenas pelas sensações. Alberto Caeiro consegue alcançar facilmente aquilo que para Fernando Pessoa é um desejo impossível.


quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Heterónimo, Álvaro de Campos




Álvaro de Campos é um dos heterônimos mais conhecidos, verdadeiro alter ego do escritor português Fernando Pessoa, que fez uma biografia para cada uma das suas personalidades literárias, a que chamou heterônimos. Como alter ego de Pessoa, Álvaro de Campos sucedeu a Alexander Search, um heterônimo que surgiu ainda na África do Sul, onde Pessoa passou a infância e adolescência. 


No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.

A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.

Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.

Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.

Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por génio, se calhar.
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!

Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
Porque todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem sabe se até amanhã?

Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga loira?
É a mesma afinal...
Tudo é o mesmo afinal...


Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isso é o mesmo também afinal.

Analise:
É uma memória que faz este poema "Acaso". Ao ver uma rapariga loura na rua ele lembra-se de si mesmo a um outro tempo - "A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro". Seria Durban, na África do Sul? É bem possível. Certamente entre as raparigas de Durban muitas seriam louras e de que outra cidade falaria Campos, senão da Durban em que nasceu Pessoa, ou talvez a Glasgow onde teria tirado o curso de engenheiro naval...
Seja como for, a visão remete-o para esse outro tempo. Eis como a análise da realidade efectiva e intelectual não lhe basta e lhe dá acesso, num conforto, a uma memória passada, a um "outro tempo “a um” “outro eu”. Nessa confusão entre o passado e o presente Campos vê uma vantagem - ele diz que recordar "intransigentemente" é uma vantagem que merece ser realçada. Quer ele dizer que o facto de o seu tempo ser uma linha confusa, sem princípio ou fim, lhe dá a impressão nítida de poder avançar ou recuar sem justificação - tudo é válido enquanto memória e realidade.
O seu falso entusiasmo, numa intensa ironia, leva a que ele comemore o facto de ter "a alma do avesso". Dizer isto é dizer que se sente deslocado do tempo e da vida. Ter a alma do avesso é ter uma incapacidade grande de enfrentar a vida sem recorrer às memórias do passado perdido. É ter as memórias por fora da pele e por dentro uma vida que não encontra outras personagens com a qual poderá ser partilhada.
Ao menos uma vantagem nesta "loucura" - o escrever versos. Isto justifica o facto de Campos não querer mudar, porque se mudar deixará de escrever versos. Deixa-se a esta média luz que o puxa para baixo. "Porque tudo é a mesma memória", "porque tudo é a mesma morte".

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"Adiamento"

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã, 
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso. 
A persistência confusa da minha subjectividade objectiva, 
O sono da minha vida real, intercalado, 
O cansaço antecipado e infinito, 
Um cansaço de mundos para apanhar um eléctrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me, 
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo; 
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar, 
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo. 
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-me toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro, 
A minha vida triunfar-se-á, 
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espectáculo que me repetiria a infância? 
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã, 
Que depois de amanhã é que está bem o espectáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...

Analise:

O poema "Adiamento" é um poema datado de 14 de Abril de 1928.

Este poema enquadra-se na fase "Metafísica" do Engenheiro (1923-1930), seguindo a classificação da insigne Pessoana Teresa Rita Lopes, na sua edição crítica das obras de Álvaro de Campos. Quer isto dizer que já estamos numa fase posterior à grande ebulição modernista, onde os textos de Campos exaltavam sobretudo a modernidade e a civilização, uma fase que agora mostra sobretudo um grande cansaço e desilusão com a vida.
 Este pensamento cansado, que sobretudo passa a ideia de que nada se consegue na vida é predominante no poema "Adiamento".
Aliás, mesmo o título é o que basta para nos esclarecer sobre o propósito do poema. Se o engenheiro modernista era alguém que presumia que tudo se podia resumir à acção no mundo, o engenheiro metafísico diz-nos precisamente o contrário. Nada de útil vem da acção no mundo, por isso qual é a vontade de fazer seja o que for? Trata-se de uma anulação de toda a vontade, de toda a acção no mundo, por ser inconsequente. "Depois de amanhã serei outro, / A minha vida triunfar-se-á"
 Na realidade a sua desilusão tem a ver com o que ele sente que não conseguiu atingir. Este é um sentimento que acompanha Pessoa ao longo de toda a sua vida, de que nada é conseguido, que tudo são planos vagos, sonhos irrealistas que nunca chegam a ser concretizados. E, como nada se consegue, mais vale que nada seja feito. O "Adiamento" é na realidade a assunção plena desse falhanço completo na vida.

“Se a vida te falhou, falha também à vida, não a vivendo"

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Heterónimo, Ricardo Reis


Ricardo Reis (19 de setembro de 1887) é um dos quatro heterónimos mais conhecidos de Fernando Pessoa, tendo sido imaginado de relance pelo poeta em 1913 quando lhe veio à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Nasceu no Porto, estudou num colégio de jesuítas, formou-se em medicina e, por ser monárquico, expatriou-se espontaneamente desde 1919, indo viver no Brasil. Era latinista por formação clássica e semi-helenista por autodidactismo. Na sua biografia não consta a sua morte, no entanto José Saramago faz uma intervenção sobre o assunto em seu livro O Ano da Morte de Ricardo Reis, situando a morte de Reis em 1936.


Poema “Acima da Verdade” , de Ricardo Reis, Heterônimo de Fernando Pessoa


ACIMA DA VERDADE estão os deuses.
A nossa ciência é uma falhada cópia
Da certeza com que eles
Sabem que há o Universo.

Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,
Não pertence à ciência conhecê-los,
Mas adorar devemos
Seus vultos como as flores,

Porque visíveis à nossa alta vista,
São tão reais como reais as flores
E no seu calmo Olimpo
São outra Natureza.


Análise:

O poema “Acima da Verdade” de um dos heterônimos de Fernando Pessoa, Ricardo Reis, apesar de enquadrar-se temporalmente ao Modernismo português, possui grandes características do Arcadismo por apresentar forma fixa (uma ode que contém três estrofes de quatro versos) e versos brancos (existe a métrica – em todas as estrofes a disposição da métrica é a mesma: os dois primeiros versos são decassílabos e os dois últimos, pentassílabos - e não existem as rimas externas). Além disso, há uma valorização da cultura greco-romana, pela exaltação dos deuses.

Em relação ao conteúdo, o “eu-lírico” afirma que se a ciência é uma verdade, os deuses são mais ainda (idéia hiperbólica), pois aquela, apesar de ser verdadeira, possui falhas, diferente dos seres mitológicos que são perfeitos. Então, não cabe a ciência tentar desvendar esses mistérios dos deuses, mas adorá-los.



Poema "Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio"


Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Análise:

1ª estrofe:
 
Com relação a essa primeira estrofe, pode-se dizer que o sujeito poético está em busca de uma felicidade, e ela é relativa, uma vez que só é encontrada na natureza e nas coisas simples – remetendo-nos, portanto, ao epicurismo.
As expressões “beira do rio” e “sossegadamente fitemos o seu curso” remetem-nos ao aurea mediocritas e ao carpe diem horacianos, respectivamente, uma vez que refere-se à vontade de querer aproveitar o momento, e isso só é possível se feito diante da natureza, ao observar o rio correr.
Por meio da expressão “que a vida passa”, o sujeito poético propõe à pastora Lídia sentar-se com ele para observar o decorrer da vida, colocando o curso do rio como metáfora do passar da vida.
Com relação ao último verso dessa primeira estrofe, o eu lírico propõe à pastora que eles se amem.
 
 
2ª estrofe:
 
Nessa segunda estrofe, percebe-se nitidamente a importância que o pensamento tem para o sujeito poético já no primeiro verso. É possível perceber, também, um certo fatalismo, em que ele diz que “[a vida] Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa”, ficando implícito que o fluxo da vida é sem volta, e assim como o rio segue seu fluxo a caminho do mar, a vida caminha rumo à morte.
A palavra “Fado”, no fim do terceiro verso, remete-nos ao destino, do qual nem os deuses escapam. Além disso, há referência aos deuses, o que nos remete ao paganismo greco-romano de que se dispõe o autor.

para consultar o poema todo clique aqui: http://solinguaeliteratura.blogspot.pt/2013/05/analise-do-poema-vem-sentar-te-comigo_4.html