sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Heterónimo, Alberto Caeiro





Foi um poeta ligado à natureza, que despreza e repreende qualquer tipo de pensamento filosófico, afirmando que pensar obstrui a visão ("pensar é estar doente dos olhos"). Proclama-se assim um anti-metafísico. Afirma que, ao pensar, entramos num mundo complexo e problemático onde tudo é incerto e obscuro. À superfície é fácil reconhecê-lo pela sua objetividade visual, que faz lembrar Cesário Verde, citado muitas vezes nos poemas de Caeiro por seu interesse pela natureza, pelo verso livre e pela linguagem simples e familiar. Apresenta-se como um simples "guardador de rebanhos" que só se importa em ver de forma objetiva e natural a realidade. É um poeta de completa simplicidade, e considera que a sensação é a única realidade.

Poemas e análises:


O Guardador de Rebanhos


Eu nunca guardei rebanhos, 
Mas é como se os guardasse. 
Minha alma é como um pastor, 
Conhece o vento e o sol 
E anda pela mão das Estações  
A seguir e a olhar. 
Toda a paz da Natureza sem gente  
Vem sentar-se a meu lado. 
Mas eu fico triste como um pôr de sol  
Para a nossa imaginação, 
Quando esfria no fundo da planície  
E se sente a noite entrada 
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego 
Porque é natural e justa 
E é o que deve estar na alma 
Quando já pensa que existe 
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos 
Para além da curva da estrada, 
Os meus pensamentos são contentes. 
Só tenho pena de saber que eles são contentes, 
Porque, se o não soubesse, 
Em vez de serem contentes e tristes,  
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva 

Quando o vento cresce e parece que chove mais. (...)

Analise:

Este poema no que diz respeito à identificação com a Natureza é dito pelo poeta Alberto Caeiro que o mesmo "conhece o vento e o sol" e que "anda pela mão das Estações", ou seja, ele afirma que anda ao ritmo das estações, comparando os seus estados de espírito com momentos de natureza. O poeta compara-se a um pastor que anda pelos campos a guardar rebanhos, em que neste caso, os seus rebanhos são os seus pensamentos.O poeta encontra-se num ambiente de paz, pois o mesmo diz que toda a paz da Natureza está ao seu lado (Toda a paz da Natureza sem gente ; Vem sentar-se a meu lado.) Todos os pensamentos do poeta são alegres, em que ele pensa apesar de não o querer fazer, o que acaba por ser um ato involuntário.Neste poema o poeta descreve o que vê e o que sente no preciso momento. O poeta dá mais importância ao ver e ao sentir do que ao pensar, dai ele preferir sentir a Natureza do que propriamente pensar. Quanto ao ver e ao observar, segundo o poeta, é para aproveitarmos a vida, pois ela existe para nós a vermos e não pensarmos sobre ela. Quanto à caracterização do poeta, ele é espontâneo e ingénuo, pois escreve o que vê sem pensar.



"Poema Segundo"


O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Analise:

No primeiro verso deste poema o sujeito poético apresenta uma comparação com um girassol. Esta comparação é feita para mostrar a nitidez do seu olhar, pois esta planta tem a particularidade de seguir continuamente a luz do sol. Para o poeta a sensação visual é-lhe suficiente na sua relação com o mundo, rejeitando pensamentos.
O sujeito poético neste poema afirma que basta sentir a realidade, não precisa de a questionar, não precisa de saber porque é que ela existe.
Alberto Caeiro é um poeta que consegue submeter o pensamento ao sentir, abolir o vicio de pensar e viver apenas pelas sensações. Alberto Caeiro consegue alcançar facilmente aquilo que para Fernando Pessoa é um desejo impossível.


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